Aphantasia: algumas pessoas não conseguem ver nada em sua imaginação

Imagine uma bela e suculenta maça flutuando em sua frente. Agora, faça ela girar suavamente. Observe a maça de cima para baixo, encontrou alguma mancha nela? Quão nítida é essa imagem na sua mente?

maça na árvore
Imagem de Mircea Ploscar por Pixabay

Algumas pessoas veem a maçã claramente, como se estivessem assistindo a um filme, enquanto outras têm uma imagem bem precária. Embora possa ser difícil de acreditar, existe ainda uma pequena parte das pessoas saudáveis que relatam não ter absolutamente nenhuma experiência visual. Em outras palavras, suas mentes são completamente cegas – por mais que tentem, elas não veem a maçã.

Se a sua mente ficou completamente vazia e você não conseguiu visualizar nada, então é possível que você esteja entre 2 a 5% da população que sofrem de aphantasia.

Aphantasia é uma condição em que as pessoas são incapazes de visualizar imagens em sua mente.

Conceito sim, imagem não

Um dos criadores do navegador Mozilla Firefox, Blake Ross, percebeu que sua experiência visual imaginária era bastante diferente da maioria das pessoas, quando ele leu um artigo sobre um homem que havia então perdido sua habilidade de imaginar após uma cirurgia. Em um post no Facebook, ele escreveu:

O que você quer dizer com “perdeu” a capacidade dele? […] Não devemos nos surpreender que ele tivesse essa capacidade?

É comum que pessoas que vivam com esta condição demonstrem surpresa ao perceber que as demais pessoas possuem de fato um “olho da mente”.

As imagens visuais estão envolvidas em muitas tarefas cotidianas, como memórias passadas, navegação e reconhecimento facial, entre outras. Relatos de pessoas com a condição indicam que, embora eles possam se lembrar de coisas do passado, eles não experimentam essas memórias da mesma maneira que a maioria das pessoas. Eles costumam descrevê-los como uma lista conceitual de coisas que ocorreram, ao invés de um “filme” passando na mente.

Como Ross descreve, ele consegue refletir sobre o “conceito” de uma praia. Ele sabe que existe a areia, água e outras características em uma praia. Mas ele não consegue visualizar em sua mente praias que visitou, ou criar uma imagem mental de uma praia.

imagem de uma praia
Você consegue visualizar em sua mente praias que visitou?

Inexistência ou inconsciência da imagem?

A idéia de que algumas pessoas nascem totalmente incapazes de imaginar não é nova. No final de 1800, o cientista britânico Sir Francis Galton conduziu uma pesquisa pedindo aos colegas e à população em geral que descrevessem a qualidade das imagens em suas mentes. Esses estudos, no entanto, basearam-se em auto-relatos individuais. Ou seja, eles dependem da capacidade de uma pessoa avaliar seus próprios processos mentais – chamada introspecção.

Mas como podemos saber se o que você vê em sua mente é diferente do que eu vejo? Talvez vejamos a mesma coisa, mas a descrevemos de maneira diferente. Talvez vejamos coisas diferentes, mas as descrevemos da mesma maneira.

Alguns pesquisadores sugeriram que a aphantasia pode realmente ser um caso de má introspecção; as pessoas com aphantasia estariam de fato criando as mesmas imagens que você e eu, mas seria a descrição dessas imagens que seria diferente. Outra idéia é que eles criem imagens internas como todos os outros, mas não têm consciência delas.

Na tentativa de testar tais hipóteses, foram realizados outros estudos, como o relatado abaixo.

Rivalidade binocular

Com o objetivo de avaliar as imagens visuais objetivamente, sem precisar confiar na capacidade de alguém para descrever o que imaginam, um estudo recente usou uma técnica conhecida como rivalidade binocular – onde nosso cérebro alterna a atenção entre diferentes imagens apresentadas uma a cada olho. Para induzir isso, os participantes usam óculos 3D verde-vermelho. Direcionadas a cada olho, são apresentadas imagens distintas, onde um olho vê uma imagem vermelha e o outro olho uma imagem verde. Quando as imagens são sobrepostas para serem vistas pelos dois olhos ao mesmo tempo, não podemos ver as duas imagens separadamente. Portanto, nosso cérebro troca constantemente da imagem verde para a vermelha e vice-versa.

Mas podemos influenciar quais das imagens coloridas alguém verá na exibição. Uma maneira é fazê-los imaginar uma das duas imagens, antes de apresentá-las ao participante. Por exemplo, se eu lhe pedisse para imaginar uma imagem verde, é mais provável que você veja com o lado verde do óculos depois de colocá-lo. E quanto mais nítida a imagem é na sua imaginação, mais frequentemente seu cérebro irá escolher ver a imagem que você imaginou.

A frequência com que a pessoa declarou ver a imagem que foi previamente imaginada foi utilizada como uma medida da imagem visual mental, dessa forma eliminando o problema da possível introspecção subjetiva. Ou seja, havia outra maneira de deduzir se houve uma imagem mental prévia ou não, sem depender da descrição do participante.

Descobriu-se que, quando as pessoas com aphantasia tentavam formar uma imagem mental, a tentativa de imagem imaginada não teve efeito sobre o que viram primeiro com os óculos. Isso sugere que eles não têm problemas com a introspecção, mas parecem realmente não produzir imagens em suas mentes.

Por que algumas pessoas são cegas na mente

Pesquisas na população em geral mostram que as imagens visuais envolvem uma rede de atividade cerebral que abrange desde o córtex frontal até as áreas visuais na parte de trás do cérebro.

As teorias atuais propõem que, quando imaginamos algo, tentamos reativar o mesmo padrão de atividade em nosso cérebro, como quando vimos a imagem antes. E quanto melhor formos capazes de fazer isso, mais fortes serão nossas imagens visuais. Pode ser que indivíduos que sofrem de aphantasia não consigam reativar esses rastreamentos o suficiente para experimentar imagens visuais, ou que usem uma rede cerebral completamente diferente quando tentam formar imagens visuais.

O lado vantajoso da aphantasia

Com tudo o que foi discutido, pode ainda haver um lado positivo na aphantasia. Pensa-se que para os indivíduos com imagens visuais hiperativas, isso pode desempenhar um papel no vício e nos desejos, bem como no desenvolvimento de transtornos de ansiedade. Pode ser que a incapacidade de visualizar possa ancorar as pessoas no presente e permitir que elas vivam mais plenamente no momento, com menos distrações.

Além disso, compreender por que algumas pessoas são incapazes de criar essas imagens em suas mentes pode permitir-nos tanto ajuda-los a desenvolver essa capacidade, assim como possivelmente nos ajudar a diminuir a visualização mental hiperativa naqueles para os quais isso se tornou um problema.

Fonte:
https://theconversation.com/blind-in-the-mind-why-some-people-cant-see-pictures-in-their-imagination-86849
https://www.news-medical.net/news/20200623/Aphantasia-may-be-associated-with-more-cognitive-functions-than-previously-thought.aspx

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